Ir ao mercado ou à feira neste ano no Brasil foi uma tarefa que dificilmente não causou indignação. Dos 168 subitens ligados à alimentação monitorados pelo IBGE, 119 ficaram mais caros ao longo do ano. Abacate, frutas cítricas e o café moído, além do famigerado azeite de oliva, puxam a lista de alimentos com maior aumento nos preços. Comprar comida ficou muito mais caro neste ano, e os extremos climáticos que o país e o mundo viveram no último biênio ajudam a explicar o porquê dessa subida nos preços.
“A ocorrência desses eventos climáticos mais intensos, sem dúvidas, pode afetar a produção de diversos alimentos. Pode acabar ocasionando quebra de safras, receio quanto às safras futuras, [afetar a] qualidade do solo, e isso pode acabar se refletindo nos preços ao consumidor final, principalmente os alimentos”, explica André Almeida, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor, do IBGE.
De acordo com os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação acumulada em 2024 na categoria “alimentação e bebidas” foi de 6,44% – bem acima do índice geral, que está em 4,29%. No ano passado, a inflação de alimentos e bebidas em foi de cerca de 1%, enquanto a inflação geral foi de 4,62%.
Dois alimentos que ganharam manchetes por terem ficado mais caros em 2024 ajudam a entender a influência do clima no bolso do consumidor.
O café moído registrou aumentos nos preços em todos os meses de 2024, com uma inflação acumulada de quase 33% no ano. As condições climáticas do Brasil, que enfrentou ondas de calor e forte estiagem nas regiões produtoras (como Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo), e do Vietnã, segundo maior produtor global, que passou por um período de seca histórica e, depois, por chuvas muito intensas, ajudam a explicar o aumento no preço da commodity, que atingiu o maior preço nos mercados internacionais em quase 50 anos.
Já o azeite de oliva está em situação ainda pior para o bolso do consumidor: a última vez em que o IPCA registrou queda no preço da iguaria foi em outubro de 2022. Em 2024, o azeite já acumula um acréscimo de 21,6% nos preços, sendo que no ano passado o produto já havia encarecido mais de 37,1%.
No caso do azeite, o problema vem da produção de azeitonas na Europa, de onde o Brasil importa a maior parte do que é consumido nacionalmente. As regiões produtoras, como Itália, Espanha, Grécia e Portugal, sofreram com ondas de calor muito acima do normal nos últimos anos. Mesmo para uma árvore habituada com o clima mediterrâneo, como as oliveiras, as temperaturas acima de 40 °C resultaram em uma queda significativa na produção, jogando os preços mundiais lá para cima.
É o calor, inclusive, o extremo climático mais perigoso para a agricultura mundial. Um estudo publicado na revista Nature em março deste ano mostrou que a inflação relacionada ao calor (“heatflation”, no termo em inglês cunhado pelo Grist, veículo americano especializado em mudanças climáticas) pode aumentar os preços dos alimentos em até 3% por ano até 2035. Segundo a análise, para cada 1 °C de aumento nas temperaturas de determinado mês, a inflação no preço dos alimentos aumenta cerca de 0,2% ao longo do ano seguinte — isso desconsiderando os efeitos cumulativos de guerras e recessões globais.
Quando se fala do impacto das mudanças climáticas da agricultura, não se trata das alterações sazonais do clima, que sempre afetaram a produção, mas de eventos de alta intensidade. “Desde que surgiu, há 10 mil anos, a agricultura é afetada por variações do clima”, lembra Eduardo Assad, pesquisador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Agro) e ex-pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Mas o que está acontecendo agora é que essas alterações estão ocorrendo em um tempo muito curto. No passado eram mil anos, dois mil anos para essas coisas acontecerem. Hoje, estão acontecendo em um intervalo de 10 anos, 20 anos.”
A culpa disso é do ser humano, que está aquecendo o planeta com a emissão de gases do efeito estufa gerados especialmente pela queima de combustíveis fósseis, mas também pelo desmatamento e pela produção agropecuária.
“O caminhão está na descida e está sem freio, o que vai acontecer? [A situação do clima] é mais ou menos isso. Nós estamos num momento de emergência climática e de alta vulnerabilidade. São temperaturas elevadas, chuvas fortes, evapotranspiração alta. A produtividade cai, a produção cai, o risco de produzir aumenta. Nós vamos ter que comer comida feita em impressora 3D”, diz Assad.